sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Setembrino de Freitas

Eu sempre acreditei na imortalidade da alma. Mas acreditava que quando morresse, iria para o paraíso celeste.
Sempre fui um católico fervoroso. Ia para a Igreja quase que todos os domingos. Morei numa cidade do estado de Alagoas e o padre dizia que nosso sofrimento seria recompensado no céu.
Porém, o que encontrei depois de minha morte não foi nada disso. Para ser mais preciso, o que encontrei foi o vazio e a escuridão. Não estava no paraíso que tanto sonhei em minha velhice. Não vi Jesus Cristo e nem os anjos. Tinha sim um monte de pessoas como eu; perdidas.
Em todas as direções que eu caminhava, e eu caminhei muito naquele lugar, não me levavam a parte alguma. Caminhava na tentativa de encontrar algo e também para fugir das loucuras de outras pessoas que pareciam mais quere incomodar e me afugentar com suas insanidades.
Procurei até por um padre, na tentativa de ter alguma orientação.
Comecei, depois de algum tempo naquele lugar, a ficar louco. Mas na medida em que eu me tornava mais embrutecido, também ficava mais fatigado da situação. Ninguém sabia dar uma resposta sobre o que estava acontecendo. A única coisa que me vinha na mente era de que eu estava no inferno.
O fato de pensar de estar no inferno me fazia remoer meus sentimentos, buscando minhas faltas e o que fizera de tão atentador contra Deus para cair ali. Sim, me considerava um esquecido de Deus; uma vítima da situação.
Comecei a rezar para Deus, buscando pelo menos o alento do coração, já que a sede, a fome e o cansaço pareciam nunca ter fim, assim como não conseguia mais morrer, apesar das fortes dores de fome, onde sentia os ácidos do estomago ferverem como se estivessem me desmanchando por dentro.
Implorei para que os anjos do Senhor Jesus Cristo viessem me acudir. Tirar-me do inferno. Por diversas vezes vi sombras terrificantes a me atormentarem como se fossem demônios enfurecidos que me faziam temer ainda mais a minha existência naquele local. Corria sem rumo. Tropeçava por pessoas e coisas indescritíveis. Tudo era muito tenebroso. Todo o martírio que fiz em vida e todas as minhas confissões dos pecados praticados, de nada adiantaram para redimir minhas penas.
A realidade estava ali. Tudo que fiz em vida, o confessionário não me livrou. Acreditei que meus pecados seriam perdoados. Não foram. E agora eu estava sozinho, não tinha a quem recorrer e nem a quem delegar minha defesa. Não consegui afugentar aquelas coisas que me perseguiam. Ali era eu quem tinha que correr.
A loucura foi tanta, que quando comecei a me esconder por entre brechas de rochas, por entre barrancos escuros, me punha a rezar como nunca fiz antes. Rezava com meu coração. Quando fazia isso, sentia maior conforto em meu estômago. De alguma maneira, a oração me fazia esquecer que estava com fome e sede. Sempre depois da reza vinha o sono, que me restabelecia as forças.
Mas nem sempre ficar entocado era uma medida segura. Não raras foram às vezes em que fui acordado aos gritos horrendos de pessoas que mais pareciam monstros. Gritavam coisas horríveis contra mim e me faziam correr, por puro prazer de me atormentar.
Certo dia vi um homem diferente. Corri na sua direção e pedi socorro. Chamei-o de anjo do Senhor e pedi para que me levasse dali. O homem, num gesto de calma e com palavreado manso, disse que faria o possível, mas que naquele instante eu deveria me acalmar. Logo chegaram mais homens e mulheres iguais a ele. Esses que iam chegando, traziam outras pessoas que estavam nas mesmas condições que eu. Todos iam se acomodando ao meu lado.
Vendo aquela situação, comecei a ficar mais tranquilo, pois a certeza de ir embora estava cada vez mais concretizada. Logo estávamos num grupo de mais de trinta maltrapilhos e esfomeados como eu.
Um homem, que parecia ser o chefe orientou para levantar o grupo e seguir para a cidade Nova Luz, disse para não perdermos muito tempo, pois falanges estavam se aproximando e poderiam provocar a dispersão do grupo.
Enquanto eu e outros caminhávamos, ladeados pelos nossos benfeitores, outros estavam sendo levados em redes. Quando atingimos uma região mais iluminada, pude ver melhor o meu corpo. Meus pés e mãos estavam muito machucados, com muitas feridas abertas. A impressão que tive era de que o sangue não parava de correr pelas feridas. Vendo aquilo, comecei a chorar como nunca. Eu estava transformado. Completamente imundo, maltrapilho e cheio de feridas. Uma das benfeitoras me acudiu, solicitando a calma necessária, visto que a distância ainda era longa até a chegada ao hospital da cidade.
Mas não conseguia me conter e a benfeitora teve que me amparar. Por algumas vezes, a minha fraqueza e o meu pranto fizeram o grupo parar. Meu choro era pelo que fizera comigo mesmo. Não culpava ninguém. Se eu estava naquela situação era porque eu não me cuidara naquela região de trevas.
Para solucionar minhas constantes paradas, o chefe solicitou para dois benfeitores me levarem na rede. Quando deitei nela, a benfeitora limpou meu rosto de todas as minhas lágrimas e eu acabei adormecendo.
Acordei uma semana depois, no leito de um hospital, com a luz do sol atravessando a janela do quarto onde eu estava. Como foi gratificante aquele despertar com a luz do sol. Já fazia um bom tempo que eu não o via mais.
No hospital tive o melhor atendimento possível. Fui curado de todas as minhas enfermidades, de todas as minhas feridas. Passei a vestir roupas limpas, e recebi o alimento reconfortante que me trouxe a paz tão esperada: o estudo do Evangelho.
Setembrino de Freitas
Mensagem recebida em 24 de fevereiro de 2011.

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