quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Mansão dos Mortos


As brumas de fumaças espessas que bruxuleiam constantemente os derredores do Umbral parecem como vapores que saem das fendas da terra, trazendo vapores quentes. A sensação é, no entanto, um tanto arrepiante, pois o cheiro e o frio que elas exalam provocam calafrios e nos fazem correr em direção oposta.
Na imensidão do espaço escuro e esquecido de todos, fica a vívida certeza de que algo diferente poderia ter sido feita em tempo remoto, quando encarnado.
É! Não soube aproveitar bem a oportunidade assumida na Terra e as consequências que eu próprio designei para meu transcurso na Espiritualidade me calcinam a Alma, que chora e geme, ri e lastima a própria sina assumida.
Quisera saber dos detalhes vindouros e eu jamais teria cometido tantos desatinos; jamais teria atentado com tamanha perfídia contra a própria vida.
A distância da faca ao peito é diretamente proporcional a mil vezes ao tamanho dos espaços lúgubres e desconexos que a minha própria coragem engendrou. Tudo faz crer que os quarenta centímetros que separavam a adaga que perfurou meu peito correspondem a uma vastidão ininterrupta de quatrocentos quilômetros de regiões ora enlameadas, ora calcinadas pelo calor escaldante do deserto, outra ora impregnadas de umidade, cheiros fortes, gritos e gemidos apavorantes que castigam abruptamente a paciência e a tolerância.
O Umbral é uma extensa região inóspita que calcina as Almas, mas que ao mesmo tempo nos arranca, tal como o médico que extrai os carcinomas, todas as nossas paixões materiais e sentimentos de vaidade da carne. A arrogância, aqui nesse vale de lágrimas, de nada vale. A esperança é a única força a animar e em afirmar, no íntimo do coração perfurado e que vez por outra ainda sangra, que sairemos desse lugar desolador.
Aqui não sei contar a passagem do tempo e menos ainda se é dia, se já foi dia alguma vez, pois o ambiente está em permanente mutação abrupta da penumbra para a escuridão absoluta.
E quando vozes gemem ao longe, podemos ter um pouco de privacidade e certa tranquilidade para descansarmos da caminhada incessante para lugar algum. Pois quando se ouvem gritos e se percebem esfarrapados correndo desenfreadamente, tem-se que correr, e correr muito e com todas as forças possíveis, sem olhar para traz. Turbas de entidades nos achincalham com tal voracidade a ponto de nos deixar completamente esgotados e com extenuantes dores pelo corpo todo. Eles aparecem como imagens de figuras horripilantes, rostos desfigurados, e exalam uma atmosfera de ar gelado que ao nos envolver, faz tremer de frio o corpo inteiro.
Fugir, como percebes, nem sempre é possível. Essas turbas nos envolvem e nos carregam por longas regiões num cansativo joguete de intenções descabidas.
E quando se consegue alguma trégua da dor, do frio, da fome, da turba ensandecida, busco na oração o aconchego da esperança de que o dia de minha saída do Umbral já está próximo.
Malaquias
Psicografado em 18 de janeiro de 2012.

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