Numa certa noite eu e Bartolomeu fomos visitar um terreiro da Quimbanda. O objetivo era em eu conhecer os procedimentos mediúnicos praticados por Irmãos Menores.
Chegamos numa casa bem humilde localizada em um bairro pobre da cidade. Eram pouco mais de 22 horas. Na frente da casa, iluminada apenas pela luz de um poste da rede pública, via-se um grupo de pessoas aglomeradas diante de uma porta. Ao lado desta, no chão e junto da parede à esquerda de quem entra, havia uma casinha, como se fosse uma capelinha, onde estava uma pequena estatueta de uma entidade de cor vermelha, com cavanhaque preto e vestindo roupas e capa preta. Na frente dela havia um pires com duas rodelas de abacaxi e, ao lado do pires, uma vela vermelha iluminava a casinha. Acima da porta de entrada estava fixada uma pequena placa de madeira com uns símbolos específicos, tendo ao centro um tridente apontando para cima, onde se lia “Quimbanda”.
Amarrado a um gancho fixo num muro, no pátio da casa, havia um bode denotando sinais de desconforto e sofrimento, como quem pressente pelo pior.
Junto ao grupo que aguardava do lado de fora, havia um casal de idosos que traziam um galo. Este estava dentro de uma sacola de palha, amarrada nas alças, só com a cabeça de fora.
A conversa fluía sobre os pagamentos prometidos por candidatos políticos. Um dos presentes comentou sobre sua curiosidade em assistir ao sacrifício de um boi, destinado a garantir a vitória nas eleições para um candidato desejoso em ser prefeito da cidade.
Ficamos uns dez minutos ali, ouvindo os comentários do grupo. Decorrido esse tempo, um homem apareceu na porta e solicitou para entrar somente os médiuns, a fim de iniciar os trabalhos.
Bartolomeu orientou que entrássemos para acompanhar os procedimentos mediúnicos.
Entramos no pequeno ambiente e nos colocamos junto da parede, ao lado esquerdo de quem entra e atrás de um atabaque. O ambiente era escuro, iluminado apenas por quatro velas vermelhas, cada uma delas colocadas em castiçais fixados nas paredes. A sala media aproximadamente quatro por cinco metros. Sendo que na nossa frente, na outra parede, havia uma porta para outra sala escura.
Do meu lado direito, e quase junto à porta de entrada, havia uma poltrona. Um pouco à frente do atabaque, junto da parede, à minha esquerda e de frente para a porta de entrada, estava um altar com uma estátua, de uns 50 cm aproximadamente, de Jesus Cristo. Ao lado da imagem de Cristo havia outra de mesmo tamanho de um personagem masculino na cor vermelha.
O altar se prolongava até o chão, formando pequenos degraus, onde outras estatuetas menores, representando divindades, estavam colocadas. Na parede, sobre o altar, estava um quadro com a pintura de um homem vestindo uma capa preta e tendo um chapéu preto a lhe cobrir os olhos.
Um dos encarnados se posicionou junto ao atabaque, na nossa frente, e começou a ensaiar alguns cantos, batendo no mesmo. Outro pegou um berimbau, enquanto que um menino pegou um chocalho. Os dois tocavam os instrumentos acompanhando o som do atabaque.
Os demais se posicionaram em círculo, no centro do ambiente. Eram três homens, trajando calça na cor preta e camisas vermelhas, e duas mulheres, que colocaram saiotes de tecidos floreados.
O mesmo homem que apareceu na porta solicitou um determinado “ponto” para o homem do atabaque. Esse começou a tocar e cantar acompanhado dos demais. Nesse instante um dos integrantes do grupo foi para o centro do círculo e começou a rodopiar. Enquanto o encarnado rodopiava, vi no chão, logo abaixo dos pés deste, surgir uma sombra que parecia rodopiar junto com o homem. Em seguida, como se fosse uma densa fumaça escura, a sombra iniciou a acompanhar os passos do encarnado e logo passou a subir pelas pernas e rapidamente cobriu todo o corpo. Foi quando ele parou de rodopiar e dois outros encarnados lhe cobriram com uma capa preta, amarrando-a ao pescoço, e lhe deram um chapéu que o mesmo tratou de ajeitar sobre a cabeça, baixando a aba para lhe cobrir os olhos. Esse, então, voltou a formar o circulo com os demais médiuns.
Bartolomeu explicou que aquele procedimento se destinava para a incorporação dos Irmãozinhos. Cada canto, ou “ponto” como era dito pelos mesmos, compreendia um procedimento ritualístico destinado a evocar os Irmãozinhos para a incorporação.
Em seguida foi solicitado outro “ponto” e outro encarnado se posicionou no centro. Os mesmos fenômenos foram ocorrendo até que todos os que compunham o círculo incorporaram.
O homem que solicitou o início dos trabalhos e que indicava os “pontos” foi o último a incorporar. Esse fez um procedimento diferente. Ao canto e dança dos já incorporados, ele se deitou no chão, com a cabeça na entrada daquela outra porta que dava acesso para aquele ambiente completamente escuro. Dali saiu uma sombra, também semelhante a uma densa fumaça escura, cobrindo-lhe o corpo. Imediatamente os outros incorporados lhe auxiliaram em levantar, lhe colocaram uma capa preta, entregaram um chapéu preto que ele colocou com a aba tapando-lhe os olhos, e também lhe deram um bastão de madeira, semelhante a uma bengala.
Bartolomeu explicou que aquele ali era um Exú, também conhecido como Mago Negro, chefe dos trabalhos espirituais daquele terreiro e das entidades que estavam incorporando os encarnados.
Em seguida, sempre dançando ao som dos instrumentos, todos os incorporados passaram a fumar charutos e a bebericar conhaque e cachaça, enquanto que o chefe do terreiro cumprimentava uma a uma das entidades que incorporaram. Num certo momento ele parou e ficou em silêncio, como se estivesse olhando na nossa direção. Perguntei ao Bartolomeu se ele estava nos vendo.
-Bartolomeu! Esse Exú pode nos ver?
-Fique tranquilo. Ocorre que a sensibilidade espiritual desse Irmãozinho lhe dá uma vaga e difusa sensação de presença diferente do habitual. Mas ele não consegue nos ver. É provável que associe uma presença de luz para algum dos encarnados que estão ali fora aguardando a vez de entrar para solicitar algum pedido.