terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Crônica de um Espírito


Ao entardecer do dia, tenho a noção de que os Anjos cantam ao Senhor!
Fui apóstolo do Cristo. Mas em outro tipo de seara.
Naquela época acreditávamos na imortalidade da alma. Mas que com a chegada da morte a Alma ascenderia ao conhecimento universal, deixando a ignorância de lado e assumindo o conhecimento imanente de Deus em cada coração e mente. Ou seja, cada um que morresse, mesmo tendo parcos conhecimentos, seria incluído na Consciência Divina e teria todos os mistérios e tudo que era desconhecido, revelado. Entraria na graça de Deus e num passar de estágio, lhe seria como que ligado em todo o conhecimento até então nunca lhe revelado ou nunca lhe instruído.
A morte seria a revelação sublime. E tudo o que era ignorado seria conhecido.
Ora só! Ledo engano de uma vaidade desejosa de atalhos no progresso do Espírito.
Nada é assim. Tudo se encaminha a passos certos e coordenados. Sem saltos!
O conhecimento não é revelado. O conhecimento é adquirido pelo trabalho do Espírito, pelo trabalho do Homem e pela manifestação da Alma de cada ser.
Vendo por esse ângulo, pelo viés do Espírito, vemos cada Alma, de cada Ser, em constante processo de animação e estímulo, um estímulo as vezes que nos parece invisível, mas que atesta a vontade de Deus. Sim! É Deus a estimular cada Alma ao progresso.
De outro instante, vemos e somos levados a concordar ou até mesmo discordar com as vontades de cada Alma. Ai conversamos e sem que muitos se deem conta, até influímos nas decisões assumidas. E mesmo assim, nesse processo de conversa íntima, está a vontade manifesta de Deus na atividade progressiva de cada Espírito.
Pois bem! A vontade manifesta sempre se depara com o livre-arbítrio de cada Alma, de cada Espírito, e o conhecimento revelado que tanto debatíamos em nossos cadafalsos, nada mais era, e nada mais deixou, do que a nossa mais absoluta ignorância, de um lado (de considerar o estudo estafante), e de absoluta desnecessidade, de outro (pois a morte atalharia esse trabalho, desde que se acreditassem e se imolassem ao Pai Celestial).
Agora sim! Agora sabemos que o dito revelação nada mais é que o trabalho, dedicação e esforço pessoal de cada Alma. Assim se constrói o caminhar seguro e reto em direção ao progresso Divino.
Irmãos! A pira, em diversas oportunidades, foi acesa com o propósito de purificar.
Na verdade as chamas que carbonizaram pessoas serviram muito mais para nos indicar o caminho quando a morte gelou nossos corpos.
Ao longe víamos as chamas; mas os gritos de blasfêmias, de ódios e condenações, nos fez fugir diversas vezes – não sei quantas – da ajuda do Alto.
Formamos nossa irmandade em terras áridas, em meio aos combalidos e incrédulos. E em nossas discussões e debates, chegamos a contestar a existência do Bem e mesmo a existência de Deus.
Não consigo precisar quanto foi o tempo que permanecemos em regiões tão sombrias e inóspitas.
Mas tudo acabou quando até nós uma caravana chegou. Tinhamos a certeza de não estarmos sós, pois em algum lugar estariam outros nossos colegas de fé que morreram antes de nós.
Se nós não os encontrávamos em nossas infinitas excursões, tinhamos a esperança de que eles nos encontrariam.
E foi assim que ocorreu. Em certa tardinha, quando a luz parecia deixar todo o local num braseiro, vimos ao longe uma cruz em chamas. Pensamos em mais um ato de sacrilégio feito por hereges contra nosso Pai. Mas logo o cantorio de louvor nos levou a apontar em outras possibilidades.
A caravana foi diminuindo sua distância de nós. E naquele solo calcinado e avermelhado, seco como o deserto e entre diversos seres, que para nós eram a réplica perfeita dos seres infernais, fomos percebendo que algo diferente de tudo o que já havíamos passado estava ocorrendo. Enquanto aqueles seres infernais corriam esbaforidos e horrorizados da caravana, nós fomos tomados de um sentimento de alívio.
A caravana não tinha nenhuma cruz em chamas. Ao vê-la mais próxima, percebemos tratar-se do brilho, de um dourado que refletia uma luz incandescente.
As pessoas que compunham a caravana também eram diferentes. Todas elas usavam vestes limpas que nos fizeram lastimar os trapos imundos que usávamos para cobrir nossas vergonhas.
O cheiro perfumado da caravana contrastava com o odor pútrido de nossas feridas que, em carne viva, purgavam larvas que serviam como nosso alimento.
A caravana chegou próxima a nós e um dos seus integrantes dirigiu-se a nós.
Nossa reação, de vergonha, foi em nos escondermos entre umas rochas; e dali estabelecemos o diálogo inicial:
- Quem são vocês que trazem essa cruz de ouro?
- Somos caravaneiros do Cristo. Em nome da Virgem Maria estamos a caminhar por essas terras. Fomos informados de Homens Santos que clamam por Deus.
- E como saberemos que vós sois quem dizem ser e que estão aqui por intervenção da Virgem Maria?
- Filhos! Nossa Mãe, a Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, sabe perfeitamente o que cada um dos seus necessita. Estamos aqui para fazer valer a máxima de nosso Mestre, o Cristo: Ama o próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.
- Assim somos tentados a acreditar em tuas palavras. Mas como saberemos que vós não é um dos discípulos de Satanás a querer nos persuadir ao erro. Dê-me uma prova de que falas a verdade.
- Meus Irmãos! Não convém tanto palavrório. Vós todos se encontram aqui já há muito tempo. Somos os primeiros seres que lhes chegam para falar em nome de Deus. Vós já se encontram cansados. E foi nos últimos dias que vossas orações se desembrenharam da matéria.
- Ainda não confiamos em suas palavras.
- Não há problema. Ficaremos um tempo aqui. Vamos orar para o nosso Pai Celestial e se desejarem participar, são nossos convidados.
Ficamos atrás das rochas confabulando sobre diversas possibilidades. Mas a cantoria e o louvor passaram a nos tocar profundamente a Alma.
Nossa! Tudo passou a ter um sentimento diferente do orgulho que trazemos em nosso íntimo. O egoismo que nos catapultou para honrarias terrenas, agora estavam completamente esfacelados diante da caravana. E as rochas que estavam servindo de nosso esconderijo, passou a revelar-se como o nosso estágio quando deixamos a Terra.
Sim! É duro reconhecer! Eramos seres brutos que necessitávamos de muito trabalho.
Não recebemos a revelação e o conhecimento universal com a morte. Nem tão pouco assumimos a condição de Anjos ou ocupamos nosso lugar à direita de Deus Pai.
Vimos ali, naquele momento, que a morte nos deixou exatamente como éramos na Terra. Brutos que utilizaram de seu orgulho, vaidade e egoismo para impor uma ordem. Vimos que essa ordem não se configurou no Bem.
Para saldar nossas dívidas carnais, as lamúrias de nossas Almas estavam apenas começando. Lamúrias de vergonha em não ter dado ouvidos ao Bem que deveríamos ter feito. Negamos a humildade e caímos na escola do Espírito, onde a consciência nos julga a todo o momento, mas que com a interseção de nosso Pai e dos Bons irmãos, o esquecimento se faz como um bálsamo revigorante. E só aos poucos, sem sobressaltos, as lembranças de passado perfídico vão se levantando.
Obrigado a todos os queridos caravaneiros que pacientemente nos acolheram.
Agora, no Plano Espiritual, pedi o perdão para cada uma Alma que martirizei.
E quando algo sombrio surge em minha consciência, revelando mais uma perfídia, a vergonha me faz lastimar e oro ao Pai que logo envia a ajuda necessária para eu suportar.
Sou um devedor! Não tenho muito para dar. Mas como Irmão e Filho de nosso Pai, venho pedir o perdão dos que prejudiquei.
Em nome do Pai, quero ajudar aos que mais precisam.
Vamos juntos orar ao Pai!
Um Bispo de Marselha.
Psicografado em 04 de fevereiro de 2013.

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