terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Lembranças de uma suicida


Foi um pensamento dantesco.
De repente me dei por si e estava numa dimensão que mal suportava a minha indignação.
Eu estava morta. Mas também via que não estava.
O ar era quente e fazia um vento forte. E recostado em um barranco de terra vermelha, não fazia a mínima ideia de como havia parado ali.
Sentada e plenamente acordada, era como se tivesse num filme apocalíptico.
Na minha frente outros corpos e pessoas se moviam... gemiam, choravam.
A cena era horrorosa.
Perguntei para um moribundo ao meu lado se ele sabia o como havia chegado ali. Mas seu olhar vazio me deixou com mais dúvidas.
Tudo era muito estranho. Pensei em diversas coisas para tentar entender. Mas toda a vez que buscava uma compreensão, minha cabeça doía e um processo de vertigem desencadeava náuseas e dores.
O vômito era quase constante.
Mas fui me recostando no barranco, enfiando as mãos na terra fofa e trazendo os torrões para cima de minha barriga... isso parecia acalmar as dores.
Muitas vezes gritei desesperadamente para tentar aplacar a dor. Mas a situação era piorada, pois dezenas de outras pessoas gritavam e me batiam. Queriam que eu me calasse.
Minhas pernas eu não sentia, mas via elas ali. Imóveis.
Me arrastava e machucava todo o meu corpo. E ninguém me ajudava.
Logo vi que a situação poderia levar dias e a única coisa que pensava era a de buscar acalmar minhas dores.
Não tinha comida e nem água. Tudo ali era ressequido ou estava estragado pela ação daquelas pessoas.
Quando uma breve chuva acontecia, brotos saiam de algumas fendas das pedras e eram logo devoradas.
A água que acumulava em algumas valas, e que assumiam a cor da ferrugem, se não evaporava logo, era sugada com tal voracidade que mais parecia estarem comendo pedra e terra.
A luz era tão bruxuleante que não permitia ver muito além.
O contraste era quando pessoas chegavam com malas de medicamentos. Elas traziam lanternas que iluminavam ao longe.
Eu gritei diversas vezes para aqueles homens. Mas toda vez que se dirigiram até mim, eles desapareciam, Foram diversas vezes que chamei eles em meu socorro, e quando já estava cansada e caindo em desmaio, via eles caminhando em minha direção. Cansada, caia em sono profundo e não via sequer eles chegarem até mim.
Mas essas eram as oportunidades que me traziam conforto. O sono reconfortava minha alma e em diversas dessas oportunidades pude sonhar.
O triste de tudo foi quando certa vez acordei e vi um frasco branco caído no chão, a poucos metros de mim. Pensei no medicamento que aqueles homens pudessem ter esquecido.
Rastejando até o frasco, queria um remédio para minhas dores; para dar fim a náusea e aos vômitos.
Quando peguei o frasco... li que se tratava de veneno. Minha lembrança logo me trouxe a imagem de eu levando o seu conteúdo até minha boca.
Joguei longe o frasco. Mas minha mente não parou mais de recordar o momento.
Caí em si. Estava morta! Sim! Eu me matei! Mas estava viva e a dor era maior ainda. Tudo centuplicado. E agora?
Quem dera voltar no tempo!
Como estariam meus filhos?
Deus! Me socorre!
Foram noites e noites de angústia e de pedidos de socorro.
Como estaria meus pais?
Tudo era tenebroso e muito, muito sofrido.
O frasco não desaparecia nunca. Por mais longe que lançava, poucas horas depois alguém trazia e sarcasticamente dizia para eu engolir mais um pouquinho.
Meu Deus!
Foram trinta anos que estive lá. Mais de vinte eu nem vi nada. Foram anos que fiquei como uma sonâmbula. Sem vontade própria.
Mãos divinas me acolheram um dia. Nunca vou esquecer. Quando vi os homens chegando, chamei por eles e disse para mim mesma que com a ajuda de Deus eu não cairia em sono.
Eles vieram. E numa maca senti um conforto que a muito não sentia.
Qualquer lugar era melhor que ali; esse era meu sentimento.
Colocada na maca e coberta com um lençol branco, senti que estava segura.
Saí de lá com a promessa de louvar a Deus.
Depois fiquei sabendo a data do meu resgate: foi no dia 22 de dezembro de 2002.
Carlota
Psicografado em 11 de fevereiro de 2013.

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